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Salão Semear de Arte Contemporânea
Mirian Tavares

The driving force behind my works is my tradition. If it wasn’t for Damascus,
I wouldn’t have that heritage; I wouldn’t be me.
Of course, the question remains:
do you have to be a traveller in order to be a cosmopolitan?
Marwan



Um salão de arte contemporânea é, antes de mais nada, um processo de aprendizagem. Para os artistas que precisam (re) aprender a mostrar os seus trabalhos, a defendê-los, a exibi-los num contexto mais árduo de um processo competitivo e, também, para o júri, que precisa abrir mão de ideias preconcebidas e penetrar na realidade multiforme da arte na contemporaneidade.

Um salão é uma maneira de solidificar um espaço, uma ideia, de provocar reflexão. E a arte contemporânea necessita ser pensada a cada instante porque é, essencialmente, um processo de conceitualização do quotidiano e das relações que estabelecemos com ele. Nem sempre é, a primeira vista, interessante ou atraente, mas carrega consigo questões obrigatoriamente universais. As 20 obras escolhidas enquadram-se numa ideia mais global da contemporaneidade, tocam nos pontos centrais da arte hoje em dia: o espaço, a relação com a memória, o género, a imersão na tecnologia, a alteridade. Cada uma delas suscita perguntas, dúvidas e mesmo espanto. Mas isto é a essência da arte nos dias que correm. Ela não é unívoca e nem responde aos nossos desejos. Ela é arte porque se liberta e surpreende ainda e porque mergulha, de cabeça, nas questões do mundo hoje.

A arte na contemporaneidade é múltipla e pluridiscursiva. São várias as vozes que a compõem, são vários os discursos. Não é possível falarmos de um modelo ou cânon. Talvez a falta de cânon seja o modelo. Mas há algo que une, ou que pelo menos, põe em diálogo tudo que se fez ou se faz desde a segunda metade do século XX: com tantos caminhos abertos, vias, redes, reais e virtuais, com o esboroamento das fronteiras, físicas e simbólicas, parece que ainda não conseguimos falar a mesma língua. Que estamos todos juntos e muito próximos mas, simultaneamente, terrivelmente distantes. E a arte reflecte sobre isto. Primeiro como um espelho e depois como alguém que pensa e questiona e coloca o dedo na ferida. Nas feridas. Há uma questão que é fulcral para a arte nos tempos que correm e que diz respeito a um sentimento de pertença: se eu não sou nem sou o outro, quem sou eu afinal? E o espaço é o território onde esta questão se expande. O espaço, já não apenas geográfico e mapeado, é o lugar que define quem sou, o que em mim é meu e o que é fruto de um sentimento comum. O que me liga aos outros? O que me difere? O que me faz ser eu?

Nicolas Bourriaud disse certa vez que a arte contemporânea não é um objecto em si, é a maneira nova de habitar velhos espaços. E são estes velhos e conhecidos espaços que foram se distanciando que devem ser novamente visitados. E re-habitados. Por isso a importância de se realizar um salão de arte contemporânea, através dele podemos espreitar as múltiplas existências da arte – uma arte com semelhanças e diferenças, com consensos e dissensões, mas uma arte que precisa dialogar mais e absorver melhor o outro. Este outro que nunca deixou de ser, apesar das diferenças, uma outra face de nós mesmos. E há que se buscar a completude.

Mirian Tavares

FONTE: catálogo do Salão Semear de Arte Contemporânea - Ultima Atualização: 31/12/2010

 
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