Entrevistas

A melhor foto está na sua frente.
18/01/2011 - José Caldas

José vamos começar do começo, onde você nasceu e em que ano?

 – Oito de maio de 1964. Dizem que eu nasci em Maceió, mas eu me considero de Aracaju. Meu pai era da Petrobras e estava lá, bem no início da perfuração no Nordeste, mas foi um período pequeno que a família passou em Maceió. Com vinte e poucos dias de vida eu já estava indo para Aracaju, e me criei lá.

Como foi a infância em Aracaju?

 – Muito bacana. Aracaju estava num boomzinho econômico, a gente morava em um bairro novo e a minha rua tinha uma galera especialmente interessante. Nos finais de semana e nas férias a gente ia para a casa de praia na Atalaia, e lá andava pelas dunas (que hoje não existem mais), nos cajueiros, pescando siri... Nas férias grandes ia também para Palmares, em Pernambuco, andar a cavalo nos engenhos do meu tio Vicente.

Então foi uma infância em contato com a natureza?

 – Sim, sempre que possível, porque a rotina mesmo em Aracaju era urbana. O que mudou tudo foi quando, aos onze anos, a família foi morar no Egito.

Passaram quanto tempo lá?

 – Quase três anos. Meu pai tinha ido uns meses antes e, logo que eu cheguei, ele tirou férias para fazermos uma viagem grande pela Europa – um mês circulando por um monte de países. No primeiro dia da viagem, dentro de um barco em Londres, meu pai, que tinha uma Pentax Spotmatic de rosca, me deu a máquina e disse que eu ia fazer as fotos da viagem. Comecei a fotografar assim, dentro de um barco.

Legal, mas foi algo que teve continuidade na época?

 – Foi, me animei com a brincadeira. No Cairo, fui estudar na escola americana. Às sextas-feiras as aulas terminavam mais cedo e tinha atividades extras, aí eu entrei para um grupo de fotografia, ministrado pelo professor de matemática, um figuraça inesquecível, Gerald Web. Ele ensinou a operação da máquina toda, e também aprendi a revelar e ampliar – acho que eu era o mais novo da turma. De vez em quando tinha umas excursões da escola e a gente fotografava. Fiz fotos das pirâmides, do Cairo Antigo, ainda tenho os negativos, tem até uma de que eu gosto.

E como era a rotina no Egito?

 – Foi uma fase ótima. A escola ocupava o dia todo. Nossa casa era em um bairro afastado do centro, todo arborizado. Quando a gente contornava o bairro de bicicleta pelas bordas já era o começo do deserto. Isso até 78, quando voltamos para Aracaju.

As coisas mudaram muito nesse retorno?

 – Na minha cabeça, sim. Acho que no Egito eu comecei a tomar mais consciência de adulto, a perceber o mundo e inclusive essas questões ligadas ao meio ambiente. No curso de geografia no Cairo, lembro de um livro em que li pela primeira vez a palavra ecologia. Na volta, esqueci um pouco a fotografia; mas um ou dois anos depois fiz um workshop com o Lineu Lins, um fotógrafo importante de Aracaju, e voltei com tudo. Fotografava os amigos do surf, as viagens que a gente fazia. Isso já com uma máquina nova que meu pai tinha comprado no Egito, uma Pentax KX, bem melhor que a anterior, de baioneta, com um ‘kitzinho’ de lentes. Com ela, cheguei a fazer uns books para umas amigas. Até que eu fiz umas fotos em preto-e-branco no Mercado Thales Ferraz (em Aracaju), entre elas uma bem legal de um garoto dormindo na rua. Era 1981, botei essa foto em um concurso do Festival de Arte de São Cristóvão e ela foi premiada.

Legal, deve ter sido importante para você na época…

 – É, animou. Depois do prêmio, eu continuei a registrar o Mercado. Foi a primeira coisa que me chamou atenção para um tema, fazendo uma documentação mais direcionada. Eu também ia às vezes para Laranjeiras, que é uma cidade histórica, fazia umas fotos, mas acabei me achando no Mercado. Nessa época, comecei a fazer também umas fotos mais soltas, coisas no chão... tem uma de formiga em uma tampa de refrigerante enferrujada… foi quando eu fiquei mais amigo do Jorge Luiz, uma grande figura, pintor, desenhista de altíssimo nível, grande artista mesmo; ele tinha um monte de livros e me apresentou o mundo formal das artes. Eu também gostava muito de desenhar, desenhava de uma maneira completamente abstrata e primitiva.

E a vida em Aracaju, a quantas andava?

 – Era uma certa vida de playboyzinho sergipano. Com 15 anos, assim que voltei do Egito, comecei a dar aula de inglês no CCAA, ganhava um dinheirinho, aí meu pai achou que eu era um rapaz muito compenetrado e me deu um fusquinha velho. Depois, em 1983, ainda no segundo ano do científico, fiz o vestibular de teste e passei em segundo lugar para Direito! Meu pai deve ter achado que eu era um gênio e de prêmio me deu um fusquinha zero. No ano seguinte, fui fazer vestibular no Rio. Queria fazer cinema, mas acabei prestando ciências sociais. Na minha cabeça, queria alguma coisa que ligasse história, antropologia e geografia com cinema. Eu sempre tive, principalmente na infância, uma fixação com o passado. No primeiro ano no Rio, comecei a fotografar mais, de uma forma cada vez mais abstrata, nos detalhes, entrei ‘numas’ mesmo. Às vezes eu via uma coisa, passava três meses e voltava lá com o tripé e tudo mais para fazer. Já em 1985, fiz minha primeira exposição no Rio com esse trabalho, num bar famoso na época, o People. O título era “De tudo aquilo que é feito”. Foi legal, a reação das pessoas foi forte, confesso que na época aquela quantidade de interpretações diferentes das fotos me assustou um pouco, até vendi umas duas ou três obras, mas ainda não via aquilo como uma possibilidade de futuro e a fotografia não tinha esse status de arte que tem hoje. Nessa época, eu já tinha comprado uma Nikon, que foi um salto grande, dava uma sensação de qualidade bem melhor, e aumentou o entusiasmo. E a partir daí comecei a fazer uns trabalhinhos eventuais para uma agência de publicidade, fotos para folders, cobria alguns eventos, coisas miúdas. Em paralelo, fazia uns cursos de cinema, alimentando a atração que eu tinha por ele. Conheci uma turma muito entusiasmada, mas o cinema estava totalmente falido e depois o Collor acabou com a Embrafilme, o que na época deu a impressão de enterro. Hoje, cinema é uma coisa que de impossível passou a ser possível, factível, realizável e agora parece até a coisa mais fácil do mundo, estamos cheios de cineastas e festivais... Mas a figura do cineasta ainda é um mito para mim. Acho que o cinema seria a forma mais plena de expressar os pensamentos que flutuam na minha cabeça. É a linguagem que dá conta, só que a complexidade de produzir um filme, o tipo de envolvimento que você tem que ter com pessoas e infinitos interesses... é algo além da realização pessoal. A fotografia tem a grande vantagem de ser eu comigo mesmo. Tem que arrumar dinheiro, viabilizar os projetos e tal, mas uma vez em campo, as interferências são mínimas. E é uma atividade muito oportuna, já que eu gosto de fazer uma coisa que muita gente gosta de ver. Nesse sentido, eu sou feliz de ter me especializado em fazer a documentação dos lugares, da vida natural, das comunidades isoladas... as pessoas querem ver isso e não têm tempo ou disposição de ir lá, mas quando abrem o livro ficam fascinadas.

Você pulou de uma época em que estava cursando ciências sociais, dando os primeiros passos em fotografia de arte e comercial, e estudando cinema, e veio falar da fotografia documental, que sabemos que passou a ser sua área de atuação. Como aconteceu essa mudança?

 – Na verdade, antes disso aconteceram outras mudanças importantes. Com dois anos de faculdade, eu tranquei matrícula e fui morar em Nova York. Lá arrumei uns trabalhos de garçom, entregador e também de assistente de fotografia. Fui assistente freelancer de um japonês, ótima experiência, ele era fera e muito boa gente. Eu era carregador de tripé, segundo e às vezes terceiro assistente, mas ali tive contato com uma forma superprofissional de fazer fotografia. Horas fazendo cada foto, tudo em 4x5. Podia ter ficado nessa até hoje, ter virado gringo, assistente profissional ou fotógrafo publicitário, mas aí resolvi ir para uma comunidade alternativa em Albany, mantida por um hippie velho, onde fiquei um mês e pouco. Fiz umas fotos interessantes lá. Depois, comprei um carro velho por US$ 100 e cruzei os EUA com quase nenhum dinheiro. Foi muito bom, primeiro a monotonia das plantações, no Meio Oeste. Depois veio o deserto, um dos lugares mais bonitos em que passei na minha vida. Fotografei um bocado lá, tudo em kodakrome. Passei uma noite na reserva dos índios Hopi, etnia sobrevivente que tem uma das linhagens mais antigas das Américas. Quando cheguei a San Diego, ainda tinha ideia de ir para a Índia pelo Pacífico, mas aí tinha vencido meu visto, deu a louca e voltei para o Brasil, direto pra Aracaju.

De volta às origens...

 – Apois... chegando em Aracaju eu reeditei a exposição dos trabalhos abstratos, dessa vez com o nome Totem, acho que por influência do contato com a cultura dos índios norte-americanos, e incluí o material do deserto em uma projeção. Aí nasceu o Hermes, meu primeiro filho, e voltei para o Rio. Fiquei sem saber o que fazer da vida, que virou uma coisa mais séria. Estava completamente sem dinheiro, então anunciei meu equipamento para vender no Jornal Balcão. Nesse movimento, descobri algo interessante: tinha gente anunciando as mesmas coisas, mais baratas. Em vez de vender eu comprei e comecei a fazer negócio com equipamento. Assim conheci muitos fotógrafos, o Rogério Reis e o (Ricardo) Azouri, por exemplo, num dia em que fui à antiga F4 comprar uma lente do Rogério. Foi ótimo, eles eram um norte na questão de ter uma postura profissional, de como se relacionar com o mercado. O Rogério me ensinou nesse dia como usar um fotômetro de mão, que era essencial para fotografar em cromo. Nessa época, eu vinha trabalhando cada vez mais na área, nada que me sustentasse, mas já via a fotografia como meu futuro. E já estava decidido a fotografar natureza, para juntar algo de que eu gostava com o que eu sabia (ou achava que sabia) fazer. Foi então que apareceu o Maurício Nolasco, um jornalista conhecido meu, que veio com a ideia de a gente viajar pela Amazônia fazendo uma série de matérias para a Bemfam, uma ONG que cuida de planejamento familiar ligada à ONU. E eu tinha um contato com o João Augusto Fortes, que era meu vizinho e tinha acabado de fundar a ONG Salve a Amazônia. Apresentamos a ideia e ele topou patrocinar toda a parte aérea da viagem. Eram meados de 1989 quando saímos de viagem. Foram três meses em campo, circulando pela Amazônia inteira, queimei cento e tantos filmes. Considero essa viagem o marco de início do meu trabalho profissional, que fez, agora em 2009, vinte anos. Algumas dessas fotos entraram recentemente na exposição “Brasil e a transformação da paisagem”, no Centro Cultural da Caixa, e neste livro tem alguma coisa também.

Mas qual era o foco da produção de vocês?

 – O tema principal eram as detonações na Amazônia, eram as pautas óbvias da época (ainda hoje são, e vão ser até se acabar). Fomos primeiro para Juruena, fazer um projeto de colonização particular no norte do Mato Grosso. Muita queimada, gado, industrialização de madeira, uma coisa curiosa que era ver aquele povo do Sul instalado ali. Depois fomos para Rondônia, no Garimpo de Bom Futuro, o maior garimpo de cassiterita do mundo, que ficava em Ariquemes, capital mundial da malária na época. De lá fomos para Xapuri, no Acre. Chico Mendes tinha sido assassinado meses antes, estava fresca a história, estive na casa dele, na Associação dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e no Seringal da Cachoeira, que hoje é a Reserva Extrativista Chico Mendes. Depois fomos para Manaus, de onde visitamos a represa de Balbina e o arquipélago de Anavilhanas, dois cenários impressionantes. Em seguida, fomos para Belém e de lá voltei pro Rio. Começou assim. Foi bom, já bombando.

E você tinha uma visão crítica desses temas antes da viagem?

 – Não muito; para mim tudo era novidade. Mas a questão geral da Amazônia estava na pauta do dia, era o tema mais quente da época, estávamos a três anos da Eco92, o Brasil estava acordando para a questão do meio ambiente. E o assunto sempre estava na minha cabeça. Em 92 frequentei muito a Eco, no Fórum Global e eventos paralelos, fotografei tudo que aconteceu, menos o Riocentro. Ela criou uma expectativa enorme de que as coisas iam mudar. Certamente, ajudou a disseminar a informação, criar uma cultura; a educação ambiental, que é uma coisa que faz diferença, evoluiu... mas depois vieram várias decepções, a posição dos EUA negando o Protocolo de Kyoto... É triste perceber que, apesar de as pessoas terem hoje mais consciência, esse movimento teve muito pouco resultado concreto, a forma como se trata as grandes questões ecológicas no Brasil continuou mais ou menos a mesma, tudo no plano das aparências... muito marketing.

E na volta, quais foram os desdobramentos da viagem?

 – Quando voltei, fiz um contato com a Keystone e puz as fotos lá. E continuei tocando a vida no Rio, mas no final desse mesmo ano, 1989, fui para Aracaju e de lá fui conhecer a comunidade do Cabeço, na Ilha do Arambipe, bem na foz do São Francisco, que era um lugar de que a minha avó falava muito. Ali, na hora em que eu fiz o clique da foto que depois veio a ser a capa do livro do Baixo São Francisco, eu tive a intuição que ia fazer algo importante a partir daquilo. Eu só estava ali pela primeira vez, mas depois disso encasquetei com a ideia. Seis meses depois voltei lá, já fiz um material bem mais amplo, e passei a frequentar bastante a região nos dois anos seguintes.

Quanto tempo você passava lá em cada viagem?

 – Um mês, um mês e meio, quanto desse, mas nunca períodos muito curtos. Sei que o material foi ganhando peso, comecei a publicar em alguns lugares, e em 1992 consegui emplacar a matéria de capa da revista Horizonte Geográfico. Em paralelo, ia tocando outras coisas no Rio. Em 1990, comecei outro trabalho que foi marcante: fui pela primeira vez fotografar os muriquis na Estação Biológica de Caratinga, no Vale do Rio Doce, em Minas, e comecei a ir lá sempre que podia. Eu gostava muito de lá, fiz várias amizades, me sentia em casa. Acho que gastei mais filme lá do que no São Francisco. Nunca consegui fazer um livro dos muriquis, mas publiquei várias matérias, inclusive no exterior, entre elas uma foto quase em página inteira no NY Times. Lembro deles falando: o orçamento é pequeno but the exposure é very good! Velho papo... Um catálogo de comemoração de vinte anos da Estação saiu também com as minhas fotos, capa e quase todo o resto. Outra viagem fundamental eu fiz em 1992. Fui para o Pantanal com o Marcelo Buanain, que hoje é um grande fotógrafo internacional. Fomos para a casa de uns parentes dele na Nhecolândia e depois para Corumbá. Lá eu conheci um jornalista alemão que me levou para Cuiabá. Fiquei dois meses solto pelo Pantanal e fiz um material muito bacana. Foi um debut de fotografia de natureza, já acertando muito, ali eu já estava bem mais esperto. Com essas investidas, meu arquivo ia crescendo, eu abria novos contatos... mas o foco continuava sendo o São Francisco, já era uma questão afetiva.

Essa ligação você criou fotografando, ou já existia?

 – Não, já existia antes. Com 21 dias de nascido eu atravessei o São Francisco de avião. Com cinco anos, a gente atravessava a balsa em Penedo, ia para Recife passar férias, terra de meu pai. E tinha a minha avó, que é a influência maior nisso. Ela é nascida em uma fazenda na beira do rio e contava muita história, dos canoeiros, do cangaço, as histórias da vida dela, descrevia muito bem as coisas. Dona Marcelina Florisbela Caldas de Moraes. A grande história dela foi que uma vez tocou violino para o grupo de Lampião, uma valsa chamada Como se morre.

Ela escolheu especialmente...

 – É, eles viram o instrumento e insistiram para que tocassem algo, a família dizendo que ninguém tocava, porque eles pegavam as pessoas e levavam como se fosse walkman, para ficar ouvindo música. Tinha um coroa vindo com eles, já com os pés ensanguentados, que eles levavam arrastando. Os caras eram malzinhos. Mas no caso desse assalto não rolou nenhum problema maior, não fizeram nada. Durou meia hora, mais ou menos.

Que história...

 – É, essa é a fonte. Enfim, depois desse período, já tinha um material bem consistente, e um amigo me indicou a D Desenho para eu preparar uma apresentação das fotos, que naquela época foi feita com recorte das revistas que tinham publicado o material. Eu inscrevi no Prêmio Marc Ferrez, da Funarte – projeto de documentação fotográfica do Baixo Rio São Francisco –, e fui um dos ganhadores da edição de 1992. Isso deu um puta ânimo. O prêmio era uma bolsa e a ideia era usar o valor para concluir a documentação, então peguei a grana e fui para Aracaju, para fazer uma viagem mais profunda. Aluguei até um aviãozinho do meu amigo fotógrafo Walmir, fizemos um sobrevoo extenso, de Aracaju à Foz, da Foz a Xingó e de Xingó a Aracaju, o combustível acabou a gente chegando, emocionante. O próprio piloto nunca tinha dado uma volta tão longa. Fiz também uma viagem linda de Penedo a Piranhas em uma canoa a vela de dois mastros, típica do Baixo, chamada de chata. Depois peguei o carro e rodei mais um bocado. Se não tivesse a estrutura em Aracaju, o dinheiro nao teria dado para tanto. Quando voltei para o Rio, aproveitamos a mesma apresentação do Prêmio para montar um projeto de livro. Eu mesmo peguei uma lista de empresas e andava na Av. Rio Branco (no Centro do Rio), entrando de banco em banco, perguntando quem era o responsável pela área cultural. A gente só tinha cinco cópias do projeto, depois tinha que ir lá pegar de volta. Nessas, uma amiga sugeriu mostrar na Coca-cola e lá conseguimos o patrocínio, isso era junho de 1994. O livro ficou muito bom, e ganhou muita importância porque logo depois a região se transformou completamente. No final de 94 saiu do papel a hidrelétrica de Xingó, uma obra que atrasou muitos anos e acumulava uma expectativa imensa – desde então a maior parte da energia do Nordeste passou a ser fornecida por Xingó. Mas como saiu na pressão, tudo foi feito de uma maneira muito atabalhoada. Para encher rápido o lago, seguraram a água com muito mais avidez do que deviam, toda área do rio que está a jusante secou muito e o mar começou a entrar. Hoje, a região da foz está totalmente desequilibrada: o mar invadiu tudo, já vai peixe de água salgada até Piranhas, a 200 quilômetros. Na foz, dois terços da Ilha de Arambipe foram submersos, o povoado do Cabeço se acabou, e as pessoas foram realocadas em um lugar próximo, a Saramenha, que já esta sofrendo com outra questão, que é a especulação imobiliária. E a principal fonte de renda, que era a pesca artesanal, acabou. Ali era para ter sido decretado um Parque Nacional da Foz do São Francisco, ia ser fantástico. Só tem a Apa do Peba, do lado esquerdo, em Alagoas, e a Reserva Federal de Santa Isabel, um pouco mais abaixo, do lado de Sergipe; podia emendar tudo e fazer um belíssimo parque. Mas é isso, o livro preservou esse registro, é uma referência. E dali começou minha ideia de fotografar o São Francisco inteiro.

Em termos fotográficos, quanto você acha que esse primeiro livro foi representativo na sua obra?

 – É curioso, porque o que sempre me motivou, e cada vez mais, é a tentativa de registrar aqueles lugares que tenham pouca interferência do mundo cosmopolita, globalizado. Tento fazer a coisa da maneira mais pura possível e, nesse primeiro livro, acho que consegui isso de uma forma especial. Não teve um momento em que pedi para a pessoa olhar pra mim, virar para o lado. Aconteceu de olhar, por causa da minha presença, e eu bati a foto. É o mínimo, também invisível não consigo ser... E quando fiz as fotos eu nem tinha a perspectiva de fazer o livro, estava sem pressão alguma. Nos trabalhos seguintes, apesar de manter essa ideia fixa, sempre tinha uma pauta, uma demanda... No livro da serra da Canastra, que foi o segundo, tinha pouco tempo, estava com dois assistentes, e ao mesmo tempo deu pouquíssima grana, fiz mais por investimento. Aí a operação é outra...

Como aconteceu o livro da Canastra?

 – Eu já tinha ido lá uma vez. Aí surgiu uma encomenda em que o cliente da Brasil Service, que era a editora, queria patrocinar um livro fotográfico sobre um tema mineiro. Sugeri a serra da Canastra e acabou acontecendo. Tive pouco mais de um mês para fazer praticamente o livro todo. Mas funcionou bem: a Canastra rende muito, o lugar é lindo demais, tem muita luz, sol rachando todos os dias, para todo lado que você vai tem coisa interessante. E ali eu estava no pique total, já com uma boa experiência, começando a usar vários formatos de câmeras diferentes.

Quando saiu esse livro?

 – Foi em 98; teve um intervalo grande do livro do Baixo para ele. Mas antes ainda fiz vários trabalhos importantes. Em 96, a Dirce, da Reflexo, uma agência que vendia fotos minhas, apareceu com o projeto de um livro sobre o São Francisco. Ela sabia que eu estava com isso na cabeça e já tinha parte do material. Viajei durante quase três meses. Consegui apoio da Chesf para ir de helicóptero de Xingó até Paulo Afonso, cruzamos o Raso da Catarina bem baixinho, superbacana, e fiz uma foto marcante que tem o rio divisando Bahia, Alagoas e Sergipe, com uma ilha no meio que não é de estado nenhum. Fui a Juazeiro e Petrolina, depois subi em um empurrador de carga da Franave até Pirapora, 18 dias no barco, maravilhoso. De Barra para Bom Jesus da Lapa, como o rio faz uma curva grande, ia demorar uns dias para o barco chegar. Então, fui na frente de caminhão, ônibus. Cheguei em Bom Jesus bem na época da peregrinação. Uma cena impressionante: uma cidade de 80 mil habitantes que chega a girar mais de 1 milhão de pessoas em uma semana. Peguei esse momento, uns dias antes do ápice... No final, o livro ficou com 75% de material meu. Depois, ainda antes do livro da Canastra, fiz mais duas viagens grandes, uma para a Chapada Diamantina, que rendeu um supercalendário de parede feito pela Comdesenho em 1996, e outra do Rio até o Maranhão de carro. E saiu, também em 96, um livro que divulgou muito meu nome, Brasil retratos poéticos, da Escrituras. Já está na 5ª edição, sempre com uma grande tiragem.

E você já conseguia se sustentar com o trabalho de documentação?

 – Sempre fazendo outras coisas em paralelo. Nessa época comecei a fazer fotografia institucional para a Petrobras, que foi meu cliente mais importante, e fazia outros trabalhos que apareciam. Fiz frilas para a Abril e Agência Estado, vendia eventualmente umas fotos pela FrancePress, além da Reflexo e da Keystone, que nessa época estava lançando o primeiro catálogo de imagens do Brasil. Teve o único frila fixo da minha carreira, o Jornal da UFRJ, que era mensal. Em 1999, também lancei o meu site, que deu um retorno muito bom, principalmente no começo. Sempre aconteciam também várias participações editoriais. Em 98, fiz um trabalho no Encontro nacional de povos indígenas, na serra do Cipó. Depois voltei lá em 99, e acabou vingando o livro Onde a terra descansa, com outros três fotógrafos. Quase ao mesmo tempo, fiz mais um livro através da Reflexo, Artesanato no Brasil, uma parceria do Sebrae com o Itamaraty para ser distribuído pelas embaixadas no mundo todo. Foram vinte fotógrafos, eu fiquei incumbido de fazer as carrancas e outras coisas no São Francisco e peguei também o Vale do Jequitinhonha, uma região especialíssima, de uma simplicidade e ao mesmo tempo de uma riqueza cultural enormes. Espero voltar lá agora, onze anos depois. Aí, quando eu estava no meio do Jequitinhonha, para aumentar a felicidade, me liga o editor da Brasil Service querendo sugestão de tema novamente. Falei dos muriquis, mas não queriam livro de macaco. Acabaram topando fazer sobre a Mata Atlântica. O trabalho foi feito em ritmo lento, ao longo de 2000 e 2001. Fiz várias viagens curtas, algumas acompanhando a Vânia Garcia, bióloga que tinha um projeto de relocalização do muriqui no estado do Rio, eram umas excursões para lugares ainda isolados de Mata Atlântica. E, além disso, já tinha um tanto de arquivo do tema e procurei fazer registros das principais variações do bioma, sul da Bahia, campos de altitude, restinga, a serra do Mar... Era um tema que exigia um envolvimento com as questões técnicas de ecologia, além da complexidade fotográfica.

Essa parece ter sido uma época bem produtiva.

 – Foi sim. Em 2000, ganhei também um prêmio internacional, o Milks, com a foto que fecha este livro. O jurado era Elliott Erwitt, lenda viva da fotografia, fundador da Magnum. E foi quando consegui fazer o Oparapitinga, o Rio São Francisco, mais um, dessa vez para fechar o assunto, em condições ideais, pela Editora Casa da Palavra. Fez parte da comemoração dos 500 anos do rio, com patrocínio da Petrobras. Fiz mais uma viagem enorme, da Canastra até Xique Xique, ziguezagueando, passando por lugares muito selvagens. A viagem acabou saindo na época errada, na virada do ano, com muita chuva. Tivemos tudo quanto é tipo de dificuldade, mas rendeu muito. Eu consegui passar em alguns lugares que já conhecia. Barra, por exemplo. Voltar lá depois de não sei quantos anos foi muito bom.

Queria que você falasse de como a coisa acontece em campo. Como você constrói seu envolvimento com os temas e ambientes que você fotografa? Com que critérios você seleciona seus objetos fotográficos? Pelo que vi, às vezes você está em campo, mas passa um tempo enorme sem empunhar a câmera. Por outro lado, quando decide fazer alguma coisa, fica um tempo enorme até esgotar o assunto. É isso mesmo?

 – Eu não tenho isso muito claro, não, corre meio frouxo. Encontro umas pessoas, converso um tempão e não fotografo. Mas a conversa é importante para o entendimento da situação e do lugar. Às vezes, aparece uma pessoa de repente e faço a foto, e essa foto traduz aquele lugar. Mas não sei até que ponto isso é uma coisa mental. Às vezes vai da sensibilidade, em outras é mais racional, já chego na região sabendo que tem aqueles tipos, saio procurando. A coisa costuma mudar muito no caminho... de forma geral, acho que meu trabalho tende a ser mais intuitivo, vou sendo chamado pelas fotos. Elas que me acham, assim é quando funciona melhor. Mas para isso sinto que tenho que estar num certo estado de liberdade, deixando as coisas rolarem. Tem que ter tempo, coisa que cada vez temos menos quando a gente vai ficando mais velho, mais compromissado com o mundo... Por outro lado vai ficando mais esperto e mais objetivo, já sabe o que funciona. Mas certamente, quanto mais intuição você permite fluir em campo, mais solto fica o trabalho e gera um resultado mais interessante. Bom, é como aconteceu outro dia nessa viagem. Paramos em um barzinho por causa de uma placa engraçada. Mas deu pra sentir que a foto estava na mesa de sinuca. Aí ficamos horas jogando sinuca, enturmando, naquela mesa de sinuca inglesa, impossível num lugarzinho daqueles, Cipotânea. A mesa é um patrimônio da cidade. E então aparece um coroinha que é o cara que tomou conta do bar durante 40 anos, aposentado já há uns 20. Dali a pouco vêm uns vira-latas por trás, dá uma luz. Muito bom...

Voltando um pouco, o livro da Mata Atlântica foi um trabalho bastante focado em fotografia de natureza, mas ao contrário, vemos que boa parte dos seus projetos inclui sempre as questões culturais locais. Em que medida você se considera fotógrafo de natureza?

 – O mercado me considera, esse é o título geralmente utilizado, mas o termo que eu achei depois de um tempo para definir meu trabalho é documentação geográfica, no caso, voltada para ambientes naturais. Fotografia de natureza dá a ideia mais do cara que só fotografa inseto, ou aves, ou paisagens... e são temas complexos. E eu gosto é de fazer tudo isso, e ainda as pessoas, as manifestações culturais, as transformações que estão sempre acontecendo. Minha preocupação é montar um mosaico do lugar que permita às pessoas terem uma compreensão dali. Não é algo fácil, dá muito trabalho, requer estrutura de um modo geral e um período grande em cada região...

E a tua relação com o meio fotográfico, com outros fotógrafos, é muito forte?

 – Não tem muito, não. Conheço muita gente, mas participo de pouca coisa. Um fotógrafo que gostei muito de ter conhecido, já bem velho, foi o Marcel Gautherot. Foi engraçado, entrei na casa dele sem saber nem quem era. Aí, vi uma foto de Bom Jesus da Lapa na parede, um monte de carranca no chão, carranca para tudo quanto é lado. Conversamos, foi emocionante.

Pelo seu relato vemos que desde o começo, e mesmo depois de reunir um portfólio respeitável, viabilizar os trabalhos de documentação nunca chegou a ser algo sistemático, sempre passou por uma certa loteria...

 – Pois é. Você vai pegando umas manhas, estreitando relações, as pessoas te procuram pelas referências, mas é sempre difícil mesmo. Tem que investir em dez projetos pra sair um, e anos depois uma outra semente que você plantou não sei onde brota... Eu até que dei sorte de conseguir alguns relacionamentos duradouros. Depois do Oparapitinga, por exemplo, surgiu a Editora Doiis, os donos eram os designers do livro da Mata Atlântica. Com eles eu fiz uma sequência boa de livros, começando com um sobre a serra da Mantiqueira. Eu já tinha uma ligação com a região, meu sonho era ter um sitiozinho lá. E foi esse trabalho que me ajudou a ter uma percepção maior de Minas, foi lá que me toquei que vinha fotografando Minas o tempo inteiro. Teve um momento, em Bocaina de Minas, em que encontrei dois violeiros que não tocavam juntos há mais de 15 anos, e com insistência eles tocaram para fazer a foto, grande momento... ali bateu a energia do espírito de Minas. Minas tem uma coisa diferente, sempre digo que é a legítima civilização brasileira, como o povo fala, o coração do Brasil.

E depois ainda veio o livro da serra do Cipó?

 – É, depois coincidiu de fazer o Cipó. Mas antes, em 2003, ainda circulei um tanto pela Amazônia, em um projeto de monitoramento ambiental da Ufam, patrocinado pela Petrobras, o Piatam. O projeto tinha um barco que subia quatro vezes por ano visitando algumas comunidades ribeirinhas às margens do rio Solimões e produzindo uma base de dados com abordagem bem multidisciplinar, era um convívio muito legal com pesquisadores de todas as áreas. Esse material acabou rendendo uma exposição itinerante e montamos um projeto de livro que chegou a ser inteiro realizado, mas acabou não saindo. Depois teve também o livro da Ilha do Bananal, a partir de uma parceria com a ONG Conservation International. Ali revivi a situação do Baixo São Francisco, porque a ilha está ameaçada por transformações enormes que estão para acontecer no rio Araguaia. Depois disso, aí sim, veio o livro do Cipó, mais uma experiência nota dez em Minas. O lugar é espetacular, muito bom de fotografar, muito lindo. Fui na época certa, fiz muito formato médio, 6x6, panorâmica... Acho que é um dos livros mais bonitos que eu fiz, muito bem impresso...

E ainda teve mais dois livros com a Doiis...

 – Pois é, ao mesmo tempo inclusive. Um foi sobre peixes, para a Cesp, que faz um trabalho pioneiro de reintrodução de espécies que se reproduzem nos rios Paraná e Paraíba, algumas praticamente extintas. São muito bonitos os peixes. E o trabalho incluiu muitos registros das atividades da Cesp, sobrevoei toda a bacia do rio Paraná em São Paulo e ainda atravessamos o estado até o Vale do Paraíba. O outro livro foi sobre a serra dos Órgãos. Esse trabalho foi triste: não tinha tempo, tive que fazer no período errado e só choveu. O lugar é maravilhoso, renderia muito mais... o arquivo que eu já tinha de lá foi o que salvou. Tinha ido lá várias vezes, fiz inclusive um trabalho uns anos antes para o próprio Parque, esse foi especialmente interessante: havia indícios da presença dos muriquis lá, mas era um registro que já não acontecia há décadas. Alguns montanhistas estavam relatando a visão de uns macacos grandes escalando, e tudo indicava que eram eles. Era difícil porque eles apareciam na Cabeça de Peixe, um paredão oposto ao Dedo de Deus, a uma grande distância, e eu acabei sendo o primeiro a fotografar para valer, ajudando a comprovar que realmente ainda tem muriqui na serra dos Órgãos. Passei quatro noites no Dedo de Deus com o montanhista. No primeiro dia de manhã eles apareceram em uma situação bem curiosa, realmente escalando a pedra. Depois, nos outros dias não apareceram mais. Só naquele primeiro momento.

Bom, acho que você já está chegando na parte mais importante, a parceria com a Olhares...

 – Hahaha, certamente, o que está acontecendo é sempre o mais interessante. E na Olhares eu tenho conseguido algo importante que são produtos com uma abordagem mais autoral do meu trabalho, comemorando também os vinte anos de estrada. Nessa leva, todos saindo em 2010, tem este livro, que é uma retrospectiva de retratos, a exposição “Brasil e a transformação da paisagem”, que aconteceu em abril e maio na Caixa Cultural de São Paulo, e estamos esperando que entre em itinerância, e esse livro que nos trouxe a Cordisburgo, Minas; estado de espírito.

A exposição da transformação da paisagem é um alerta ecológico?

 – Não deixa de ser, subjetivamente. Acabamos conceituando de uma forma bem aberta, em que além das transformações geradas pelo homem mostramos as mudanças que ocorrem nos ciclos da natureza, as variações territoriais, as transformações culturais. Mas parte da ideia de que eu fui um observador privilegiado das transformações da paisagem brasileira nos últimos vinte anos. E tenho visto essa transformação se acelerando muito, com perspectiva de crescer ainda mais. Apesar do aparente crescimento da conscientização, todo mundo falando em meio ambiente, assustado com coisas que estão se tornando evidentes, a gente não vê uma mudança concreta de comportamento, e acho muito difícil que venha a ter, porque a raiz dos problemas ainda não foi abordada pela massa da sociedade. É como um trem que vem descendo uma montanha, inverter esse sentido é muito difícil. Acho que algumas coisas radicais vão acontecer para que as pessoas comecem a trabalhar isso, e mesmo assim ainda vai demorar. É um processo doloroso, um processo de amadurecimento da raça humana mesmo, algo que precisa acontecer dentro das pessoas, não vai ser uma lei ou uma solução econômica. Ainda vemos tudo nesse prisma. Estamos sempre presos a isso. Só tapando buraco.

Agora, esses títulos que têm profundidade, espiritualidade e transformação no nome querem dizer alguma coisa, indicam alguma mudança de rumo no seu trabalho?

 – É, eu não pensei nisso, não, você que está percebendo. Estou saindo um pouco daquele lugar, o Baixo São Francisco, a Serra da Mantiqueira... E tem muito a ver com meu momento pessoal, essa busca de algo maior. E ainda tem “A Presença”, exposição que eu montei ano passado na Galeria do Ateliê da Imagem no Rio, que evocava isso de uma forma até mais direta, mostrando fotos que são conectadas a percepções. É interessante, vem algo que rompe com a cadeia de acontecimentos da realidade, você nem está procurando, vai fazendo suas coisas e de repente o negócio acontece. Essa exposição foi fundamental porque abriu a porta para a ideia de juntar o trabalho fotográfico à minha experiência no campo espiritual, que vem crescendo muito e tem me ajudado a entender algo que acontece na minha vida desde criança. De uns sete anos para cá, venho trabalhando isso com mais consciência, e agora estou achando os caminhos para trabalhar com isso, voltado de alguma forma ao entendimento e à propagação do que eu entendo ser a diferença entre os planos invisível e visível. A gente precisa sair do autocentrismo, achar que o mundo é apenas o que a gente vê. Desmistificar isso, tirar do discurso das religiões institucionalizadas, que sempre souberam muito dessas coisas todas, mas manipulam o discurso espiritual, como todo ser humano, gostam de controlar os outros. Isso afastou uma grande parcela da sociedade das religiões. Mas hoje em dia está tudo se misturando, todo mundo está bebendo de todas as águas, a tendência é essa. Todas as religiões têm uma visão diferente da mesma coisa, e o que importa é a coisa em si, e não a visão que a gente tem dela. A gente está no plano da matéria, temos que lidar com ela, trabalhar a matéria, mas sempre atento a que tem mais aí. Sempre tem mais. O segredo é, como dizia Seu Zezinho Mata-cavalo: ‘vamo equilibrando...’, grande figura. Aliás, está sendo ótimo que isso comece em Minas. As exposições e este livro de retratos são usos do arquivo, valem muito porque são as minhas edições, o que eu realmente acho que me representa. É uma coisa em que quero investir também, esses trabalhos com o arquivo. O livro de Minas já propõe uma certa mudança de postura em relação ao objeto fotografado, de certa forma me aproximando mais da minha origem. Não passa por uma documentação estrita, mas por captar a essência de algo que é muito relativo, porque tudo que está aqui é Minas. A gente não tem compromisso de fazer um mapeamento, não quer os cartões-postais de Minas e nem o que é reconhecidamente mineiro. Eu simplesmente estou andando solto por Minas e encontrando os lugares, as pessoas, as fotos. E o rendimento é o melhor possível.

Neste livro, Retratos do Brasil Profundo, acaba ficando evidente uma característica importante sua que é a forma de se relacionar com essas pessoas do interior e valorizar esses encontros.

 – Certamente, uma das melhores coisas do meu trabalho, e que eu agradeço muito, é ter esse contato com essas figuras. Os retratos foram uma coisa que eu sempre fiz intensamente, mas nunca o objetivo principal. E sempre teve gente me chamando atenção que eu fazia bem retrato. As pessoas ficam à vontade comigo e, realmente, eu também me sinto muito bem nesse convívio, algumas dessas pessoas são muito iluminadas, moram em lugares muito tranquilos...

Isso quer dizer que a profundidade do título não esta só no recôndito do mapa, mas também nas pessoas retratadas.

 – Exatamente. São pessoas menos relacionadas com o que move todo mundo hoje, que é a vida social globalizada, gente mais ligada à essência, às atividades tradicionais dali, à simplicidade da vida. Que é o que a gente, depois de toda essa complexidade, agora está buscando. Não tem até uma revista chamada Vida Simples? Isso já virou uma tendência no mundo complexo, as pessoas voltando, querendo achar a vida simples, fugindo dos excessos. Na rede, você pode morrer sufocado, tanta coisa que você pode fazer, e ao mesmo tempo pode acabar enrolando o pescoço. A humanidade oscila mesmo, não é? Chegamos a um ponto de liberdade incrível, de que acho que muita gente nem se dá conta. Tem uma possibilidade de liberdade tão grande e até essa liberdade pode se transformar numa prisão. É complicado... é como diz o Riobaldo, “viver é negócio muito perigoso...”.

 
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