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PAU DE SEBO E SARANDAGEM Luiz Antônio Barreto
A Cocanha é um mito medieval, bretão, que sobrevive no repertório popular brasileiro, em ciclos de festas, através de manifestações usuais, como o Pau de Sebo e Sarandagem, comuns no São João e no São Pedro, em Sergipe. A Cocanha trata da juventude eterna e da fartura que brota da terra, ou cai do céu, que seja preciso trabalhar. Em Canudos, quando o ajuntamento de Antonio Conselheiro resistia aos ataques das expedições armadas, o povo pensava em “rios de leite, ribanceiras de coalhada”, para alimentar-se. Em várias partes do Brasil movimentos sociais que ganharam notoriedade no curso da história, com Pedra do Reino, Caldeirãom dentre outros, tinham toda a simetria com o mito cocanha, mesclado com o mito do encoberto, formo em torno do jovem rei português Dom Sebastião, desaparecido na batalha de Alcacequibir, no Marrocos. O Pau de Sebo não é exclusivo do ciclo junino, aparecendo como diversão infantil em muitos lugares, sem ligação com festas, mas como simples brincadeiras, atrativa para crianças e jovens que escorregam na tentativa de subir e conquistar as prendas que são colocadas no alto do poste. Em Capela, no entanto, é no São Pedro que há toda uma solenidade, quando parte da população se reúne para ir buscar, no que resta de mata, uma árvore que possa servir de mastro e em torno dele, no centro da praça realizar o folguedo. Em torno do mastro, enlameado, os brincantes juntam os prêmios, atrativos da disputa. Geralmente a predominância é de alimentos, doados pelo comércio e por donos e donas de casa, colocados no alto do mastro. É mai que o velho Pau de Sebo ganha o nome de Pau de Cocanha e o hábito de pedir e recolher presentes para atrair disputantes recebe a denominação de Sarandagem ou Sarandaia.
Em torno do ciclo junino o milho é o alimento de destaque, inspirando a sobrevivência de um velho mito agrário. Mesmo que a irrigação e as novas tecnologias do campo garantem milho durante do o ano, a festa de junho sobrevive do calendário das crenças, superstições, simpatias, inamovível. É que o milho tem uma história americana, velho conhecido dos indígenas, e sobre o ficarem antiga estórias. O milho é o alimento símbolo da fartura, da abastança, que tem tudo a ver com o mito da Bretanha, e que está na base dos festejos em louvor aos Santos Antonio, João e Pedro, em torno dos quais outros elementos de culturas imemoriais sobrevivem, animando a festa, com as fogueiras, as danças em torno delas, as comidas típicas, o compadrio, e um conjunto de manifestações lúdicas, que deixam crédulos os corações dos nordestinos. A produção do milho é intrigante, pois como três caroços, ou sementes, produz um caule com muitas espigas, que na repetição do plantio projeta uma progressão que nem é aritmética, nem geométrica. Tal multiplicação de grãos inspira a fartura, a abundância, matando a fome das populações, como se conta entre os autóctones da região amazônica, sobre o guerreiro Nahra, que vendo seu povo morrer de fome oferece seu corpo em sacrifício, ordenando que os jovens da aldeia arremessassem o seu corpo contra as árvores. Relutantes, os jovens terminaram cumprindo a decisão de Nahra e quando os pedaços do seu corpo espalharam pela terra , em cada lugar nasceu um pé de milho, e por isto nunca mais o povo passou fome. Pau de Sebo, Sarandagem, Milho são ingredientes encontrados no ciclo junino, sobreviventes no imaginário popular como acervo genuíno, que o uso coletivo consagra e dinamiza, e com o toque local das crenças enraizadas, atemporalmente, que não deixa de ser um legado universal, localizado e regionalizado em Capela, em Sergipe, e n o Nordeste que é o Brasil velho, espelho onde faíscam as imagens da cultura do mundo, como a luza das estrelas, vistas todas as noites, mas que são tão remotas, que jamais atentamente para a origem e a distância de onde cintilam.
Luiz Antônio Barreto Jornalista, escrito, autor de Um Novo Entendimento do Folclore e de Folclore – Invenção e Comunicação.
FONTE: Catálogo CRENDICES E SIMPATIAS - Ultima Atualização: 28/12/2010
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