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E não basta um rigoroso inquérito?
Cezar Britto

13/02/2006, 07:30





Na quinta-feira que passou, depois de dobrar o último jornal, lido no intervalo do derradeiro noticiário televisivo, restou-me o sono como parceiro reflexivo. Esperava realmente curtir um sono tranqüilo, momentaneamente esquecido das noticias que acabara de ler, especialmente daquelas que causam pesadelos profundos aos cofres públicos. Aliás, a insônia não parece constar do meu dicionário noturno, talvez porque geralmente durmo pouco, atribuindo a tal fenômeno, como otimista confesso, ao mero sinal da desnecessidade do meu corpo dormir em determinadas e variadas noites.




Mas neste dia especial, provavelmente porque torpedeado por fartas e explosivas notícias sobre as andanças dos parlamentares brasileiros, travestidos em investigadores da corrupção brasileira, acordei lembrando dos velhos tempos da ditadura militar. Mas não de sua face cruel, clandestina, censora, torturadora e mal-humorada. Não, lembrei-me exatamente dos programas de humor que, driblando a rígida censura, conseguia trazer reflexões sérias sobre a corrupção que galopava escondida nos porões do Regime Militar.



O programa que me fizera acordar parcialmente nostálgico fora o “Planeta dos Homens”, mais precisamente um dos vários personagens interpretados pelo humorista Jô Soares. O personagem da vez atendia pelo nome PORTA-VOZ, uma explícita imitação do Ministro Carlos Átila, porta-voz mais conhecido da ditadura e do ex-presidente João Batista Figueiredo. É comum dizer que o porta-voz marcou tanto o discurso oficial que seu estilo monótono, frio e desavergonhado de “dizer-que-nada-sei-do-que-realmente-sei” ainda hoje é estudado e executado por seus sucessores.



Pois bem, a cena do PORTA-VOZ de Jô, relembrada no despertar do dia, era mais ou menos a seguinte. Em uma entrevista coletiva, o PORTA-VOZ estava a explicar que o Governo Ditatorial iria abrir um rigoroso inquérito para apurar um grande escândalo de corrupção que envolvia altas autoridades brasileiras. Provavelmente uma referência indireta aos desvios financeiros da Coroa-Brastel, da Capemi ou do Delfin, não recordo bem. Após a coletiva, ao ser perguntado pelos jornalistas presentes se seriam presos e confiscados os bens dos envolvidos, assim respondeu calmante o PORTA-VOZ cara-de-pau: “Não basta um rigoroso inquérito? Mesmo com um rigoroso inquérito vocês ainda querem prisões e confiscos?”.



Não é apenas um “rigoroso inquérito” o que busca o parlamento quando instala uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito? Não foi um “rigoroso inquérito” o que se transformou a famosa e arquivada CPI DO MENSALÃO? Não está sendo considerado um natimorto “rigoroso inquérito” a CPI DAS PRIVATIZAÇÕES? Não foi um abortado “rigoroso inquérito” a tentativa de se apurar as denúncias de corrupção de FHC a comprada emenda constitucional que lhe garantiu a reeleição? Não foram “rigorosos inquéritos” os resultados das CPIs do ORÇAMENTO e do JUDICIÁRIO, ricas em personagens e pobres em prisões e confiscos?

Depois do dia em que relembrei o personagem PORTA-VOZ não consigo deixar de pensar nas CPIs do FIM DO MUNDO (formalmente conhecida como CPI DOS BINGOS) e dos CORREIOS. Toda vez em que escuto um parlamentar afirmando que as Comissões Parlamentares de Inquérito serão rigorosas nas apurações dos graves fatos descobertos na Era Lula, o hilário-trágico personagem vem à tona. Quando já sabido que do Valerioduto petista também sugou o Senador Eduardo Azeredo (ex-governador mineiro e ex-presidente nacional do PSDB) e o deputado federal Roberto Brant (ex-ministro do PFL integrante do Governo FHC) fico a me perguntar quem tem interesse em prisões e confiscos de bens. Sempre que revelado um novo escândalo, como o denunciado Dimasduto, batizado em homenagem a Dimas Toledo, então diretor da estatal Furnas Centrais Elétricas, acusado de responsável pela alimentação mineira do Caixa-2 Tucano, fico a imaginar se não estão parindo no Congresso Nacional mais um “rigoroso inquérito”.

E quando isso acontecer, espera-se que não, o Brasil-Democrático acordará parecido com o Brasil-Ditadura. Mesmo que não precise da censura ou dos programas humorísticos para esconder os seus corruptos ou debater os seus problemas, uma semelhança será sempre ressaltada. Sempre haverá um “rigoroso inquérito” instaurado para punir e combater a corrupção brasileira. E vocês ainda querem mais?




FONTE: Cinform/Infonet - Ultima Atualização: 28/12/2010

 
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