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UMA PAUTA TRABALHOSA
Cezar Britto

08/05/2006, 07:03





Não é tarefa fácil escolher o tema a ser exposto em uma coluna semanal, especialmente quando o autor já fez publicar mais de duzentas crônicas. Além do risco da repetição, dois outros obstáculos sempre precisam ser ultrapassados, cada um tão importante quanto o outro. O primeiro guarda razão direta com limitação intelectual do cronista, nem sempre inspirado, nem sempre capacitado. O segundo decorre da ausência de tempo para elaboração do texto, ainda mais quando se exige um prazo fatal para a sua conclusão, quase sempre cumprido nos últimos segundos permitidos. E para confirmar este meu óbvio vaticínio, lá estava eu, mais uma vez, neste tríplice dilema diante da tela vazia do computador. Nenhum assunto saltava inspirado diante do meu olhar.



Comecei estão a escrever sobre a campanha nacionalista deflagrada na Bolívia pelo presidente Evo Morales, até porque a principal vítima era o Brasil, apontado como maior explorador dos recursos naturais daquele pobre país. A idéia seria registrar a contradição que o tema estava a provocar nos brasileiros, pois aqui sempre se lutou pelo monopólio do petróleo, controlado pela mesma PETROBRÁS atingida pelo chefe dos bolivianos. Não se pode negar a ironia da situação, pois a luta que uniu o Brasil em torno do “O PETRÓLEO É NOSSO” não era da mesma forma compreendida quando de tratava do gás deles. Coincidentemente, quando assim iniciava a prosa, recebi a ligação de um jornalista pernambucano querendo saber a opinião da OAB sobre a desapropriação boliviana, bem assim se ela afetaria o investimento da estatal venezuelana na refinaria a ser construída em Pernambuco. A relação entre os investimento estaria no apoio explícito do presidente venezuelano Hugo Chávez na desapropriação dos bens da PETROBRÁS.



Enquanto explicava a posição da OAB, a complexidade, o poder vinculativo dos contratos e a contradição do tema, recebi o aviso de que a rádio Itatiaia, do Estado de Minas Gerais, queria detalhar a minha opinião sobre os reiterados abusos processuais e calotes praticados pelos órgãos públicos federais, já externados publicamente quando da posse do presidente do TST. Pedi que aguardasse um pouco, marcando a entrevista para uma hora depois. Neste intervalo, fui convencido a participar de um debate sobre a “universidade aberta”, principalmente depois que a Escola Nacional da Advocacia resolveu ingressar nesta forma de democratizar e socializar o saber. De quebra, também explicaria o combate contra a mercantilização do ensino jurídico implementado pela atual gestão.



Mas não parou aí. Mais ligações se recusavam a fazer calar o meu telefone. Agora fui surpreendido com telefonemas de alguns colegas advogados, assessores jurídicos de várias entidades sindicais brasileiras, todos preocupados com a deliberação que seria adotada pela OAB no que se refere ao pedido de impeachment do presidente Lula. Disse-lhes que como dirigente seguiria a decisão da instituição, mas que externaria na reunião designada para o dia 08 de maio a minha opinião sobre a questão, coincidentemente a mesma por eles defendida. Outras ligações seguiram na mesma linha temática, embora com abordagens e conclusões diversas.



Neste curto espaço de tempo recebi, também, uma chamada de um amigo, que prefiro deixar no anonimato, preocupado com o reflexo da volta do grupo conhecido com “A Missão” ao comando da segurança pública do Estado de Sergipe. Compartilhava ele do entendimento de que o recrudescimento da violência, inclusive com o desaparecimento de cidadãos, tinha relação direta com a ação do citado grupo. E como uma ligação parece chamar outra, ainda mais quando se trata de problemas, logo a seguir sou consultado por mais um dileto amigo sobre a questão da violência no interior do Estado, narrando acontecimentos nos municípios de Brejo Grande (Caso Pedro da Candum) e Ilha das Flores (Gangue do Bonge). Como sabia que a OAB/SE estava cuidando de ambos os assuntos, imediatamente busquei as informações solicitadas, repassando-as para os meus interlocutores.



Assim permaneci por toda manhã, mantendo virgem a tela do computador no que se refere ao artigo semanal. Mas como anotava na agenda cada uma das tarefas exercidas ou a cumprir durante a semana, percebi que ela própria poderia ser o assunto da semana. Não para concluir qualquer um dos temas expostos, mesmo porque vários deles ainda em discussão ou investigação na entidade. Tampouco para ressaltar a responsabilidade ou importância da OAB na sociedade, mesmo porque desnecessária. A escolha do tema se fez apenas para dizer que o trabalho deve ser sempre uma espécie de musa inspiradora para escrever a vida.



E realmente não poderia ser diferente, pois se é verdadeiro afirmar que o homem dedica ao trabalho parte vultosa de sua vida, não pode este pedaço do tempo ser considerado um pesado fardo. Afinal, o nosso trabalho somente terá valor se nos servir como uma bela cronologia, contada em versos e prosas no espalhar dos dias. Pouco importa se exaustivo, não compreendido ou desvalorizado por outras pessoas, o trabalho que vale é aquele que nos fará suspirar de saudade no descansar da vida, pois, prazerosamente, pautou a nossa História.

FONTE: Cinform/Infonet - Ultima Atualização: 28/12/2010

 
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