Entrevistas As Forças Armadas e as polícias têm apenas 10% dos 16 milhões de armas que circulam no país. – As principais razões são: (a) Muita arma em mãos da sociedade (90%, quando a média internacional é de 74%); (b) descontrole por parte do Estado (48% das armas nas mãos de civis são ilegais); (c) não cumprimento do Estatuto do Desarmamento (por lei, a venda de armas é restrita, mas os lojistas não são fiscalizados pelas autoridades, e vendem para qualquer um); (d) corrupção policial (policiais corruptos vendem armas para bandidos). De onde veem as armas utilizadas no Brasil? Pelas mãos de quem elas chegam ou circulam no nosso país? – 90% das armas ilegais apreendidas pela polícia no Brasil são de fabricação brasileira, e 85% da munição também é brasileira; das armas que entram no país (armamento de calibre mais potente, cuja venda para civil é proibida no Brasil), as fabricadas nos Estados Unidos são disparadas as mais freqüentes. Mas a principal arma usada por delinqüentes no Brasil é o revólver calibre 38, brasileiro. Falta uma maior fiscalização por parte das autoridades para coibir essas armas? E quem deveria fiscalizar? – Cabe ao Exército fiscalizar as fábricas (o Brasil é o quinto fabricante de armas pequenas no mundo, e o faz de forma meramente burocrática, sem rigor), o transporte de armas e munições (que de fato é fiscalizado pelo próprio fabricante, e os desvios no trajeto são freqüentes), e o comércio (que, como eu disse, está longe de ser fiscalizado de forma satisfatória). Tudo isso é de responsabilidade do Exército, que faz um controle precário. Cabe à Polícia Federal combater o tráfico ilegal de armas (mas o Exercito não passa as informações para a PF fazer esse trabalho) e fiscalizar as empresas de segurança privada (grande fonte de desvio de armas, e que agem basicamente sem controle). Quantas são e na mão de quem estão essas armas? – Mais de 04 milhões de armas estão nas mãos de delinqüentes, cerca de 05 milhões nas mãos de cidadãos de bem, mas que não legalizaram suas armas. As Forças Armadas e as polícias têm apenas 10% dos 16 milhões de armas que circulam no país. Fala-se muito em armas. Mas existe também o problema das munições. Como controlar? – O Estatuto obriga a marcação de cada munição (na base do cartucho, e não apenas na caixa das munições, como era antes), para permitir seu rastreamento. A prisão de 03 policiais no Rio por terem recentemente assassinado uma juíza, foi facilitado porque descobriram que os cartuchos que ficaram no chão depois do atentado tinha sido vendido para unidades da PM. Estamos lutando agora para que todas as munições sejam marcadas, e não apenas as vendidas para as forças públicas de segurança e as forças armadas. Qual sua posição quanto ao “Estatuto do Desarmamento”? Ele é de fato bem aplicado no Brasil? – É uma das leis mais avançadas, e tem sido copiado por outros países. Mas em grande parte continua sem ser implementado, porque contraria interesses poderosos de um mercado milionário. Exemplos: as Forças Armadas não dão informações sobre armas para que a PF possa investigar desvio de armas; as lojas não são fiscalizadas devidamente. Nossa lei é boa, e a lei dos EUA é ruim, mas continua tão fácil comprar arma aqui como lá. Infelizmente, continuamos escravos da dicotomia entre país real e país legal. As autoridades não cumprem a lei, e não acontece nada. No dia 06 de maio foi lançada oficialmente a “Campanha pelo Desarmamento 2001”. Qual sua avaliação até o momento? Como mobilizar a sociedade para participar da Campanha? Quem efetivamente se quer desarmar? – A campanha, se comparada com a de 2004/2005, está lenta. A PF e a Polícia Rodoviária Federal abriram postos de recebimento de armas, mas na maioria dos Estados a PM e a PC está demorando a abrir postos, bem como as Guardas Municipais. Para que os postos fiquem mais perto das pessoas (ninguém vai tomar um ônibus para entregar arma na capital), é preciso que abram. Essa é a segunda fase da campanha, inaugurada agora. Na terceira fase, será a vez da sociedade civil participar, com ONGs, Igrejas, Maçonaria, OAB, Rotary Clube e outras instituições recebendo armas e munições. Quais os dados obtidos até agora? – Até o dia de hoje, foram recolhidas mais de 23 mil armas e 84 mil munições no país, e foram abertos 1.554 postos policiais, e só dois civis (no Viva Rio e em Feira de Santana). Em dezembro encerra-se o prazo para a entrega voluntária, com indenização às pessoas que fizerem esse ato. E depois? Quais as ações futuras? – A campanha irá continuar, com mais participação da sociedade, e mais ações para esclarecer as pessoas, principalmente jovens e crianças nas escolas, para mudar essa mentalidade atrasada de resolver problemas à bala. Precisamos formar cidadãos preparados para viver numa democracia avançada, que resolve seus problemas com o uso da inteligência, sensibilidade e competência, com a mediação pacífica de conflitos. O Brasil traz dentro de si dois países, um avançado, e um atrasado, e para este último o padrão de homem ainda é o “guerreiro” das sociedades antigas, e não o homem democrático, tolerante. É preciso que o uso da força fique confinado às forças policiais e militares, e a determinados esportes. Qual a importância do “Terceiro Setor” para o desenvolvimento do Brasil? – A importância da participação de entidades sociais cresce na medida da falência do Estado. Como os governos estão longe de atender satisfatóriamente as necessidades dos cidadãos (apesar de pagarmos impostos altíssimos que, diferentemente por exemplo da Suécia, não revertem em nosso benefício), nosso papel é importante, fazendo o que o Estado não faz, e pressionando para que ele faça. Por outro lado, nas sociedades modernas, mesmo com um Estado eficiente, a população deve ter muita iniciativa, participar, e não depender em tudo do Estado. Como tem sito a atuação “Viva Rio” na construção da sociedade brasileira? – Nós surgimos em 1993, quando a sociedade carioca perdeu a confiança no governo do Estado, pois a polícia corrupta matou 21 inocentes na favela de Vigário Geral, por vingança contra traficantes, e matou meninos de rua que dormiam em frente à catedral, para vingar um pequeno roubo. O estado tinha se tornado terrorista. A partir daí, criou-se o Viva Rio como um “laboratório”, em que selecionamos os principais problemas de violência, buscamos as soluções que estão por aí (ou nós mesmos pesquisamos, como no caso do controle de armas, em que ninguém pesquisava), botamos em prática em projetos pilotos para ver se funcionam, e depois oferecemos as soluções testadas para os governos e iniciativa privada. Tem projeto do Viva Rio em vários Estados e diferentes países. Trabalhamos no controle de armas ( e somos pioneiros na América Latina no tema), na reforma da polícia, na prevenção de violência juvenil e na mudança da política de drogas, uma vez que a mera repressão, defendida pelos EUA, só fez piorar o mercado de drogas, que está por trás da corrupção policial, mercado de armas, criminalidade e destruição da nossa juventude. – Antônio Rangel Bandeira é sociólogo, coordenador do Projeto de Controle de Armas do Viva Rio (http://www.vivario.org.br) |